Relatos de Luiza Brunet e Mariana Ferrer marcaram a discussão sobre o papel do Judiciário e da sociedade no combate à violência contra a mulher
De onde partiremos?”. Foi o questionamento que norteou o segundo dia de debates do XVII Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), no Hotel Blue Tree Towers, em São Luís, nessa terça-feira (11/11). Com foco em ouvir relatos e histórias de vida que estimulam a reflexão, o diálogo e o fortalecimento de uma rede de enfrentamento à violência contra a mulher, magistrados e magistradas buscaram respostas para o aprimoramento do acolhimento e proteção das mulheres no sistema de Justiça.
A segunda secretária do Fonavid, Maria Lucinda da Costa (TJSP), apresentou a metodologia utilizada para o evento, com base no questionamento, visando a educação para o novo, o diverso e o plural.

“Não é nas respostas prontas que habitam as transformações, mas nas perguntas que ousamos fazer. E é desse diálogo que partimos, da pedagogia da pergunta que nos convida a questionar, não apenas o mundo, mas principalmente a nós mesmos. Nossos gestos, nossas práticas, nossos silêncios, nossa tolerância e, principalmente, o respeito à diversidade dessa sociedade tão sofrida que ansiamos transformar”, disse.
Estiveram presentes no momento de abertura, o presidente do Fonavid, juiz Francisco Tojal; o presidente da Cemulher/TJMA, desembargador Cleones Cunha; a vice-presidente do Fonavid, Camila Guerin; a juíza titular da 2ª Vara da Mulher, Lúcia Helena Heluy; além de magistrados/as, advogados/as, defensores/as públicos e representantes do sistema de Justiça.
A vice-presidente do Fonavid, Camila Guerin, declarou aberto o primeiro dia de debates, anunciando a iniciativa “Vozes que Transformam”, pensado para reconhecer, validar e compartilhar trajetórias que inspiram coragem, sensibilidade e compromisso.
O auditório recebeu a empresária, atriz, ativista, palestrante e modelo Luiza Brunet e a estudante de Direito Mariana Ferrer, que contaram suas histórias de vida e coragem ao denunciar a violência que sofreram. Emocionadas, elas destacaram temáticas como violência institucional, revitimização, consentimento, “guerra cibernética”, burocratização do sistema de Justiça, entre outros assuntos.

Luiza contou que é o terceiro Fonavid que participa, revelando que o evento se tornou um espaço de acolhimento para compartilhar suas experiências de luta e resistência.
“Hoje minha especialização é poder estar com as mulheres, ouvi-las em sua vulnerabilidade, conhecer suas histórias. Além dos encaminhamentos formais, é disso que muitas mulheres precisam: uma palavra de amor, de carinho e de afeto, porque a gente não pode perder a esperança”, disse.
Mariana e Luiza, fizeram um apelo sobre a importância de falar sobre violência sexual, principalmente quando a mulher for adulta. “Hoje se eu luto, não é somente pelo meu caso, luto por todas as mulheres”, afirmou Mariana.
JUSTIÇA: SUBSTANTIVO FEMININO
O primeiro bloco do evento teve como tema “Como o sistema de Justiça pode ser mais acolhedor e efetivo para as mulheres em situação de violência doméstica e familiar?”.
Presidindo a mesa, a juíza da 4ª Vara da Mulher, Lúcia Helena Heluy, destacou que o objetivo do painel era discutir o papel do Judiciário na prevenção e proteção à mulher, os desafios e caminhos a serem adotados para a melhoria do sistema de Justiça.

“A dignidade da mulher é condição essencial para a democracia. Esse é o compromisso que reafirmamos hoje. Uma justiça sensível, técnica e humana, que não se cala diante da violência e que se levanta para garantir igualdade e cidadania para homens e mulheres também”, frisou.
A juíza apresentou as palestrantes Ciani Sueli das Neves, doutora em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e pesquisadora nas áreas de Direitos Humanos, gênero, raça e violência doméstica; e Thaís Lima, defensora pública do estado do Rio de Janeiro e coordenadora da mulher e do Núcleo de Defesa da Mulher e Vítimas de Violência da DPE-RJ; além da debatedora, a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), Adriana Ramos de Melo.
A professora e pesquisadora Ciani das Neves apresentou seu estudo sobre “Silêncio sobre a violência contra as mulheres negras em Pernambuco”, abordando a interseccionalidade entre raça, gênero e classe. Ela também expôs sua análise sobre a Lei Maria da Pena, ressaltando sua aplicação e desafios na efetivação dos direitos das mulheres negras.
“É importante que saibamos como as respostas são oferecidas e em que medida o racismo pode influenciar, dentro dessa perspectiva, na aplicação da legislação referente à violência doméstica, no funcionamento e nas respostas dos serviços da rede de atendimento”, disse.

Já a defensora pública Thaís Lima ampliou o diálogo sobre a temática, com foco na assistência qualificada como um instrumento eficaz para tornar o sistema de Justiça mais acolhedor e efetivo. Para ela, o principal objetivo desse tipo de assistência não é necessariamente a condenação desse agressor, mas um espaço de escuta, em que a voz e a vontade dessa mulher no processo seja expressa e seus direitos sejam protegidos, de modo que ela não sofra novas violências institucionais.
Com foco nos entraves apontados pelas palestrantes, a desembargadora do TJRJ, Adriana Ramos de Melo, abordou os avanços que o Judiciário brasileiro tem buscado para solucionar as dificuldades no combate à violência, desde o atendimento às vítimas até a celeridade processual, destacando a importância da adoção de um trabalho em rede, articulado e colaborativo com outros órgãos e iniciativas.
ARTE, LUTA E RESISTÊNCIA
“Órfã do feminicídio: Transformando a dor em força”, é um projeto que, de forma poética, retoma um dos episódios feminicídio que chocou o Brasil na década de 80. De forma sensível e emocionada, Lili de Grammount relembrou o caso da mãe, Eliane de Grammount, assassinada por Lindomar Castilho.

“Você é doida demais!”. Com o trecho da música de seu pai, o cantor Lindomar Castilho, a coreógrafa e diretora artística, contou sua história de vida e superação, após se tornar órfã de “um crime evitável”.
Em sua apresentação, Lili faz um apelo para que as mulheres reconheçam a violência e não aceitem ser taxadas como doidas, desequilibradas ou culpadas. “Mulheres, nós não somos culpadas, somos apenas mulheres”, disse.
Ela também reforça a importância da atuação dos poderes e da sociedade na proteção e acolhimento das mulheres, apontando que o enfrentamento à violência é um compromisso de todos e todas. Aplaudida de pé, ela concluiu o momento com uma apresentação de dança.

“Costumava falar que sou filha do feminicídio, hoje posso dizer que sou filha do foco, da coragem e da esperança”, concluiu.
DISCRIMINAÇÃO E ESTEREÓTIPOS
Na programação do turno da tarde, no segundo dia do Fonavid, a discussão foi pautada na temática sobre “Discriminação e Estereótipos. O que afeta os discursos judiciais?”.
Durante o debate, as participantes enfatizaram que refletir sobre os estereótipos e discriminações é essencial para construir decisões mais justas e humanas.
A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DAS MULHERES TRANS
No primeiro painel, ao abordar acerca do “Direito antidiscriminatório e a proteção dos direitos das mulheres trans”, a advogada e professora doutora de Direito e mulher trans Antonella Galindo (PE) ressaltou a importância da inclusão da população trans em discussões sobre violência doméstica e familiar contra a mulher, enfatizando o papel da Justiça na garantia de seus direitos.

“Essa discussão, aqui, no Fonavid é essencial! Afinal, o Poder Judiciário exerce um papel fundamental ao efetivar os direitos das mulheres trans e punir aqueles que violam esses direitos. Por isso, magistrados e magistradas precisam refletir e se aprofundar na temática para proferirem decisões mais justas a essa parcela da população ainda tão discriminada pela sociedade”, analisou.
Antonella Galindo enfatizou em sua explanação que a população trans possui vulnerabilidades em série que precisam ser mais debatidas pela Justiça e pela sociedade .
“São vulnerabilidades oriundas da própria misoginia, da LGBTfobia, muitas vezes associadas a racismo, já que as mulheres trans negras têm ainda mais probabilidade de sofrer com essas mazelas. Por isso, os órgãos do sistema de Justiça precisam conhecer melhor esse universo para garantir os direitos dessa população”, frisou.
No mesmo painel, a desembargadora Maria Berenice Dias (TJRS) salientou que a iniciativa evidencia o compromisso da Justiça com os segmentos vulneráveis, vítimas de violência e de exclusão social, a exemplo da população trans.

“O Fonavid é o maior espaço que temos para discutir sobre a violência contra a mulher. Neste conceito, incluímos toda mulher, independente da sua identidade sexual, da sua orientação sexual, da sua identidade de gênero. A Justiça está abrindo os braços para incluir todos os segmentos vulneráveis”, pontuou.
O painel também contou com a participação da presidenta de mesa, a juíza Naiara Brancher (TJSC) e da debatedora, juíza Luciana Rocha (TJDFT).
ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO NAS DISCUSSÕES JUDICIAIS

Em seguida, magistradas, magistrados, servidoras e servidores que participam do Fonavid assistiram ao painel “Estereótipos de gênero nas discussões judiciais e os seus reflexos nos processos de família”.
Em sua apresentação, a juíza Bruna Tafarelo (TJMS) reforçou que o Poder Judiciário precisa ser um espaço que protege os direitos de todas as pessoas e especialmente das mulheres.

“Os estereótipos de gênero e as discriminações afastam as mulheres do sistema de justiça porque afetam o acesso qualificado delas ao sistema. E a partir desse olhar, dessa constatação, precisamos promover práticas para evitar que isso aconteça, para que as mulheres tenham de fato um acesso adequado aos seus direitos”, frisou.
Durante o painel, a promotora de Justiça Érica Canuto (MPRN) alertou acerca da necessidade de se encontrar os estereótipos – construções socioculturais que embaçam a realidade – nos processos e afastá-los para proteger os direitos das mulheres e das crianças que vivenciam a violência doméstica.

“O grande desafio é encontrarmos esse estereótipo, que vem em favor do preconceito, e afastá-lo do processo para fazermos a justiça e protegermos integralmente a mulher e as crianças também”, disse, concluindo: “Toda mulher tem direito a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada”, citando a Convenção de Belém do Pará.
A palestrante e advogada Soraia Mendes (DF) finalizou o painel enfatizando sobre a necessidade de uma reparação por atos de violência praticados contra a mulher.

Também participaram do painel a presidenta de mesa, magistrada Maria Lucinda (TJSP); e a debatedora, desembargadora Jaceguara Dantas (TJMS).
Repórteres fotográfico: Ribamar Pinheiro e Luis Marcelo

