‘Vivemos em uma sociedade adoecida pelos ódios. É preciso reconstruir, reinventar afetivamente uma convivência que ainda insiste em tratar a mulher como menos humana.”
A afirmação da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), marcou a abertura do XVII Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), realizada nesta segunda-feira (10/11), no Teatro Arthur Azevedo, em São Luís/MA.
Realizado pelo Fonavid em parceria com o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), por meio da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cemulher/TJMA), e com apoio da Escola Superior da Magistratura do Maranhão (Esmam), o evento segue até sexta-feira (14/11), reunindo cerca de 300 participantes entre magistradas, magistrados, equipes técnicas e representantes da rede de proteção.
A cerimônia contou com a participação do presidente do TJMA, desembargador Froz Sobrinho; do presidente do Fonavid, juiz Francisco Tojal; do presidente da Cemulher, desembargador Cleones Seabra; do corregedor-geral da Justiça do Maranhão, desembargador José Luiz de Almeida; e da diretora da Esmam, desembargadora Sônia Amaral.
Também integraram o dispositivo de honra o secretário-chefe da Casa Civil, Sebastião Madeira; a deputada estadual Helena Duailibe; a procuradora-geral do Município, Valdélia Campos; a presidente do Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica do Poder Judiciário, desembargadora Nágila Brito; a juíza auxiliar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Suzana Massako Hirama; e a presidente do Colégio Multidisciplinar de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Poder Judiciário, Aurilene Mesquita.

Durante cinco dias, painéis, oficinas e debates tratarão de temas como Lei Maria da Penha, estereótipos de gênero, linguagem inclusiva, injustiça sistêmica e educação em direitos humanos.
DISCURSOS E REFLEXÕES
O presidente da Cemulher/TJMA, desembargador Cleones Seabra, abriu as falas ressaltando a responsabilidade do Judiciário na defesa da vida das mulheres e homenageou maranhenses que se destacaram na luta por igualdade.

“Precisamos combater todas as formas de violência, inclusive as que muitos ainda insistem em considerar ‘inofensivas’, como piadas e atitudes que diminuem as mulheres. Por trás de cada estatística há uma mulher com rosto, voz e história”, afirmou.
A diretora da Esmam, desembargadora Sônia Amaral, reforçou a importância da atuação conjunta.
“Durante muito tempo, a violência contra a mulher foi vista como algo menor. Hoje sabemos que é um problema social que exige o envolvimento de todas e todos para garantir respeito e direitos”, destacou.

A juíza Lúcia Heluy, que está à frente da 2ª Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São Luís desde 2017, também destacou a relevância do Fonavid para o aprimoramento das práticas judiciais e pedagógicas no enfrentamento à violência.
“Durante esta semana teremos uma programação criteriosamente organizada, com palestras, oficinas e momentos de elaboração de enunciados. Inspirados na pedagogia de Paulo Freire, buscamos o conhecimento dialogado e, assim, construímos respostas razoáveis para o enfrentamento à violência contra as mulheres”, afirmou.
O presidente do Fonavid, juiz Francisco Tojal, lembrou o legado de Maria Firmina dos Reis, patrona desta edição, e defendeu a educação e a comunicação como caminhos para a transformação
“Esta não é uma guerra entre homens e mulheres, é uma luta pela paz dentro dos lares brasileiros. Precisamos ser parte da solução. Como disse Angela Davis, não basta não ser machista, é preciso ser antimachista”, pontuou.

Encerrando o dispositivo de abertura, o presidente do TJMA, desembargador Froz Sobrinho, reafirmou o compromisso da Justiça maranhense com políticas permanentes de cuidado e prevenção.
“A prevenção é o caminho. Depois da violência, ainda há o que reparar, mas antes dela há o que evitar. É com esse foco que vamos acolher, dialogar e construir políticas de proteção”, concluiu.

PALESTRA MAGNA
A palestra foi conduzida pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, com o tema “O compromisso constitucional do Poder Judiciário contra o feminicídio”. A magistrada apresentou reflexão sobre os desafios da igualdade de gênero e o enfrentamento à violência contra as mulheres.

Com uma fala direta e sensível, a ministra destacou que o país ainda convive com práticas misóginas e com a naturalização do ódio como forma de poder.
“Vivemos em uma sociedade adoecida pelos ódios. É preciso reconstruir, reinventar afetivamente uma convivência que ainda insiste em tratar a mulher como menos humana. Toda vez que o rosto de uma mulher é destruído, tenta-se apagar sua existência”, afirmou.
Ao abordar a cultura do preconceito e os efeitos simbólicos da violência, Cármen Lúcia ressaltou que o enfrentamento passa por uma mudança de mentalidade, baseada na empatia e no reconhecimento da humanidade compartilhada.
“As causas da violência estão no sentimento de superioridade que ainda marca parte da sociedade. É preciso lembrar todos os dias que mulheres também são humanas, que constroem o país em igualdade de condições”, afirmou.
Por fim, alertou para o impacto das redes sociais na reprodução de padrões que reforçam o controle sobre o corpo e o comportamento feminino.
“As redes escancararam catacumbas de ressentimentos. É preciso reafirmar todos os dias: quem sabe de mim sou eu. Nenhuma mulher precisa que falem por ela. O que precisamos é de respeito, segurança e voz”, concluiu.

DADOS QUE ALERTAM
O Brasil enfrenta um cenário alarmante. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, em 2024 houve aumento de 19% nas tentativas de feminicídio em relação ao ano anterior. A cada 2,3 horas uma mulher é assassinada no país e, em média, a cada seis horas uma perde a vida apenas por ser mulher.
No Maranhão, os números também preocupam: foram 156 mortes violentas de mulheres em 2024, das quais 69 configuraram feminicídios, aumento de 38% em relação a 2023. As tentativas de feminicídio cresceram 81,1%, passando de 59 para 107 casos.
Em todo o país, 52 vítimas possuíam medidas protetivas em vigor, o que reforça a necessidade de aprimorar o acompanhamento e a efetividade dessas medidas.
SOBRE O FONAVID
Criado em 2009, o Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher se consolidou como espaço de diálogo e cooperação entre profissionais do sistema de justiça na aplicação da Lei Maria da Penha. O encontro contribui para o fortalecimento de políticas públicas e práticas inovadoras voltadas à proteção das mulheres.
PROGRAMAÇÃO
A programação contará com palestras, debates e apresentação de boas práticas, no Hotel Blue Tree Towers (Calhau), sobre assuntos relacionados aos pilares da Lei Maria da Penha, quais sejam a prevenção e proteção integral a mulheres em situação de violência, bem como a promoção de ações que possam contribuir para o fortalecimento da articulação entre as instituições que atuam na área.
Entre as presenças confirmadas estão Luiza Brunet e Mariana Ferrer, no painel “Vozes que transformam”, iniciativa do Fonavid que conta com a participação de mulheres que foram vítimas de violência com o objetivo de compartilhar suas experiências e histórias com o público.
Na quinta-feira (13/11), à tarde, será realizado o lançamento do primeiro ato da campanha nacional “Judiciário Pelo Fim do Feminicídio” do Fonavid.
Dentre as temáticas a serem discutidas, durante a semana, destacam-se: Como o sistema de Justiça pode ser mais acolhedor e efetivo para as mulheres em situação de violência doméstica e familiar?; Discriminação e estereótipos. O que afeta os discursos judiciais?; Injustiça epistêmica e desafios tecnológicos; Qual o papel do Judiciário da educação em direitos humanos?; dentre outros.
Repórter fotográfico: Ribamar Pinheiro.

