Ruy Palhano Silva, Médico Psiquiatra
O vício em jogos de apostas tem sido uma questão cada vez mais preocupante no Brasil e no mundo, nunca se viu tantas casas de apostas (BET) quanto hoje e cada uma delas oferecendo aos apostadores as melhores vantagens que existem. A popularização dessas casas online e dos aplicativos de apostas vem tornando o acesso a esse tipo de atividade mais fácil e conveniente, contribuindo para um aumento exponencial no número de pessoas que desenvolvem dependência. Por isso mesmo, estima-se que as complicações clínicas e psicológicas se ampliam e se associam a um número cada vez maior de pessoas viciadas em jogos de apostas
Tais condições, clinicamente e psicopatologicamente são graves ao longo do tempo, afetando diretamente a saúde mental, o bem-estar social e a estabilidade financeira dos indivíduos envolvidos. Este fenômeno, muitas vezes chamado de “ludopatia” ou “jogo patológico”, carrega consequências devastadoras que afetam não apenas os jogadores, mas também suas famílias e comunidades e a muitas pessoas ao seu rddddor.
No Brasil, a regulamentação das apostas esportivas e a crescente oferta de plataformas online tem impulsionado uma expansão considerável do setor de jogos. Dados recentes indicam que o país movimentou cerca de R$ 12 bilhões em apostas esportivas em 2021, segundo a consultoria americana H2 Gambling Capital. A partir de 2018, com a aprovação de uma lei que legalizou a prática de apostas esportivas, o mercado de jogos passou a atrair grandes operadoras internacionais, que investiram pesado em publicidade para conquistar incontáveis jogadores brasileiros. Essa expansão, como já falamos, tem efeitos tanto econômicos quanto sociais, com implicações ainda mais profundas para os que desenvolvem problemas relacionados ao vício.
Globalmente, a situação é semelhante: estima-se que, em 2021, o mercado mundial de jogos de azar tenha alcançado um valor de cerca de US$ 465 bilhões, com grande participação dos jogos online. Nos Estados Unidos, por exemplo, estudos mostram que aproximadamente 2% da população adulta apresenta problemas com o jogo, enquanto em países europeus como o Reino Unido, o número de jogadores com algum nível de dependência chega a 3%. Esse crescimento exponencial, impulsionado pela disponibilidade de plataformas digitais, cria uma combinação preocupante, onde conveniência e incentivo ao jogo tornam-se fatores de risco para o desenvolvimento de dependência.
As estatísticas de prevalência de ludopatia indicam um problema de saúde pública crescente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o transtorno de jogo pode ser diagnosticado como uma condição de saúde mental, categorizada no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) da Associação Americana de Psiquiatria.
No Brasil, a estimativa é de que cerca de 1,3% da população adulta esteja em risco de desenvolver um transtorno de jogo, o que representa cerca de 2 milhões de pessoas. Esse número é alarmante e tende a aumentar conforme o acesso aos jogos de azar online continua a crescer.
Em termos de saúde mental, os jogadores patológicos apresentam taxas mais altas de ansiedade, depressão e suicídio em comparação com a população geral. Estudos apontam que pessoas com vício em jogos têm cinco vezes mais probabilidade de apresentar pensamentos suicidas do que indivíduos sem o vício. A ligação entre o vício e os transtornos de humor é preocupante, uma vez que o próprio comportamento impulsivo e repetitivo do jogador problemático, somado à pressão financeira e social, alimenta um ciclo de sofrimento e desespero.
A dependência em jogos de apostas tem implicações clínicas significativas, que vão desde o agravamento de condições de saúde mental preexistentes até o surgimento de novos transtornos. Entre os problemas mais comuns estão a ansiedade crônica, a depressão e o aumento no consumo de álcool e outras substâncias, que frequentemente são usados como um “escape” para as dificuldades e frustrações associadas à perda no jogo, Transtorno Obsessivo Compulsivo -TOC, etc. Além disso, a compulsão pelo jogo pode levar a problemas de sono, má alimentação e negligência de cuidados básicos com a saúde, absenteísmo, além de contribuir para o desenvolvimento de doenças físicas.
O impacto na vida social e familiar dos jogadores é devastador. Em muitos casos, a necessidade de conseguir dinheiro para apostar leva os indivíduos ao endividamento excessivo, ao desgaste de relações familiares e ao isolamento. Parentes próximos, como cônjuges e filhos, frequentemente sofrem com o abandono emocional e financeiro, enquanto o jogador, cada vez mais
Em países como o Reino Unido e a Austrália, governos estão implementando medidas para reduzir o impacto do vício em jogos de azar. O Reino Unido, por exemplo, introduziu uma série de restrições de marketing para empresas de apostas, bem como programas de autoexclusão para jogadores problemáticos, permitindo que eles bloqueiem seu próprio acesso às plataformas de jogos. No Brasil, iniciativas ainda são escassas, mas especialistas defendem a implementação de políticas semelhantes, como a limitação de propagandas e a criação de mecanismos de proteção aos jogadores.
O vício em jogos é uma questão complexa, com ramificações clínicas, sociais e econômicas profundas. Como o acesso ao jogo se torna mais fácil e as plataformas de apostas se popularizam, é essencial que a sociedade e os governos reconheçam a gravidade desse problema e invistam em estratégias de prevenção e suporte. Apenas com uma abordagem abrangente e cuidadosa será possível mitigar os danos e oferecer ajuda efetiva aos que sofrem as consequências desse vício devastador.